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Fritz Plaumann |
Museu Entomológico Dr. Fritz Plaumann |
Fritz Plaumann
Numa aconchegante casa construída na década de 40, cercada de um bem
cuidado e florido jardim, no município de Seara, interior de Santa Catarina,
viveu um dos milhares de imigrantes alemães que chegaram ao Brasil no
início do século. A história desse teuto-brasileiro seria igual à de
tantos outros imigrantes do sul do país que trabalharam duro para
garantir as condições mínimas de sobrevivência num ambiente inóspito,
não fosse ele Fritz Plaumann, um dos mais respeitados entomologistas
do mundo.
Em 70 anos de trabalho dedicado e apaixonado, esse caçador,
colecionador e estudioso de insetos conseguiu classificar um total
de 17 mil espécies. Dessas, 1.500 eram desconhecidas da ciência.
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Foto de Plaumann dentro do Museu |
Vista do Museu |
O trabalho meticuloso desse pesquisador autodidata conquistou o
reconhecimento de seus colegas cientistas de todo o mundo, que batizaram
150 das novas espécies descobertas por ele com o seu nome.
A maioria delas são besouros, como o Atenisius plaumanni,
o Aleiphaquylon plaumanni e o Ormeta plaumanni. Uma homenagem justa.
E talvez a mais importante que já recebeu, por ser imorredoura.
Mas não foi a única. No início de 1991, recebeu a Grã-Cruz do Mérito
Científico da Alemanha, a mais alta condecoração do gênero concedida
por seu país de origem. Foi homenageado também pela
UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina),
que em 1985 concedeu, em sua Reitoria, o título de Mérito Universitário.
Foi homenageado pela Assembléia Legislativa com o título
cidadão catarinense.
Modesto, um pouco arcado pela bagagem de experiências vividas e pelo
peso dos anos, o velho cientista não deixou transparecer qualquer
emoção pelo fato de ter emprestado o sobrenome para identificar novas
espécies de insetos: "Qualquer espécie nova é motivo de orgulho
para mim", dizia, com a humildade própria de um pesquisador abnegado
que cumpriu o seu trabalho. E teve o prazer de realizar a sua vocação.
Desde pequeno, quando ainda morava em Pressich Eylau, na Prússia
Oriental (atual Lituânia), ele se interessava por animais. Insetos,
principalmente. O seu maior prazer era percorrer as estantes e
bancadas do museu de zoologia do colégio onde estudava e mergulhar
nos livros, com gravuras coloridas, que seus pais, Friederich e Hulde,
lhe davam de presente. Membro de uma família de classe média alta,
teve facilidade para se dedicar aos estudos, até que a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) bombardeou seus sonhos de adolescente, destruiu a
sua cidade, ocupada pelo exército russo, e trouxe a miséria da
depressão econômica para o seu cotidiano.
A família apostou tudo na esperança de reconstruir a vida em outro
continente. Juntou os recursos disponíveis e embarcou no sonho de
reencontrar a paz e a prosperidade na terra prometida - o Brasil,
onde desembarcou em 1924. Os Plaumann foram os primeiros a chegar na
atual Nova Teutônia, distrito de Seara, quase 700 quilômetros
distante de Florianópolis. A viagem foi difícil. Os últimos 80
quilômetros tiveram de ser vencidos em lombo de burro. O jovem
Fritz, então no vigor de seus 22 anos, se entusiasmou com a mata
virgem da região. "Fiquei fascinado com a diversidade da fauna.
Na Europa, não imaginava nada semelhante". Todos os pormenores dessa
viagem a um mundo novo não estão registrados apenas na memória do
cientista.
Tudo está documentado, em minúcias, na autobiografia que ele escreveu
por cerca de 70 anos. Ali estão anotadas descrições dos peixes
avistados e as condições do tempo durante a viagem de navio para o
Brasil - um hábito que Plaumann manteve por toda a sua vida,
comprovado pelo lugar de destaque que um barômetro e um termômetro
ocupam na sua sala, na casa em Nova Teutônia, município de Seara-SC,
onde morou. Ele anotava diariamente, a temperatura, a pressão
atmosférica, a precipitação pluviométrica e outras observações
sobre o tempo.
Essa meticulosidade surpreende sua assistente, Edeltraudt Pierozza.
Ela acompanhou o trabalho do cientista por mais de 22 anos, que a
tratava como uma filha. Os cuidados com os insetos eram os mesmos,
desde que ele chegou ao Brasil: escrever o nome científico,
o sexo e a espécie de cada inseto, a mão, numa minúscula etiqueta
presa sobre o animal; depois guardar os exemplares em gavetas de
vidro, onde a umidade é controlada e bolinhas de naftalina os
protegem do ataque de insetos vivos. Com esses procedimentos ele
nunca perdeu um único exemplar da coleção, apesar de centenas deles
estarem guardados há mais de 60 anos.
Hoje são 80 mil exemplares de 17 mil espécies diferentes,
adequadamente preservados em condições ideais de umidade e
temperatura, que formam um acervo entomológico (entomologia é o
estudo dos insetos) que não poderá ser igualado, pois mais de 70%
das 17 mil espécies catalogadas já não existem mais, reunidas no
Museu Entomológico Dr. Fritz Plaumann, construído em frente de sua
casa pela prefeitura de Seara e pela Fundação Catarinense de
Cultura, com o apoio do Banco do Brasil, hoje, um convênio entre
a UFSC e a prefeitura de Seara (detentora do acervo), administram
o museu e garantem a proteção à grande obra de Fritz Plaumann.
São gafanhotos, bichos-pau, moscas, vespas, percevejos cigarras,
baratas, abelhas, louva-a-deus, besouros, lavadeiras, neurópteros
e borboletas diurnas e noturnas com indescritíveis combinações
de cores e tons.
No caso das borboletas, as musas da coleção, o cientista teve
a preocupação de demonstrar a evolução completa do inseto, do
estado larval ao adulto. Ele adotou esse mesmo critério em relação
às espécies importantes para o estudo de doenças humanas, como
o mosquito Aedes aegypt, transmissor da dengue e da febre amarela.
Dos exemplares da coleção, a maioria (95%) é da região do Alto
Uruguai, que ele começou a explorar assim que se instalou em Nova
Teutônia, município de Seara. O começo foi árduo. Tinha de dividir
o tempo entre o trabalho duro de amanhar a terra como agricultor,
as tarefas de professor (responsável pela alfabetização de várias
gerações de habitantes da região) e o estudo de entomologia.
Foi também fotógrafo ambulante e comerciante. Em meio a essas
atividades, ainda arranjava tempo para enveredar pelas florestas
do Alto Uruguai, em busca de insetos. Nessas ocasiões, um cão era
o seu único e fiel companheiro. Só na década de 50 ele teve mais
tempo e recursos para se dedicar às pesquisas. Nessa época, com
um caminhão International ou um jipe importado, rodou pelo Pantanal,
pelo oeste e norte paulista e até pelo Rio de Janeiro em busca de
novas espécies.
Apesar das dificuldades do início, pela época e pelo local onde
vivia, Plaumann conseguiu ser perfeito no trabalho de captura,
conservação e classificação das espécies apanhadas nas expedições.
A falta de livros de consulta foi solucionada por meio de um intenso
intercâmbio, que resultou em grandes amizades e no seu reconhecimento
pela comunidade científica internacional. Ele enviava insetos e,
em troca, recebia livros e outros insetos. Desse modo, forneceu
material para os acervos de museus de 12 países no mundo, entre eles o
British Museum, de Londres, e os de Estocolmo, Viena e Belgrado.
No Brasil, o reconhecimento da importância do seu trabalho só
ocorreu recentemente. Isso em parte se justifica pelo fato de que
ele tinha fama de esquisito, explica a sua assistente Edeltraudt.
Reservado, ainda hoje ele fala muito pouco. Só o estritamente
necessário. E dificilmente fazia novas amizades. Prefereria gastar
seu tempo livre em companhia da filha adotiva Gisela Plaumann, de
57 anos, ou lendo livros, ouvindo Mozart, Bach e Haendel e mesmo
executando as obras desses compositores no violino ou no velho
harmônio (um pequeno órgão de salão).
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Nas horas de folga, Plaumann dedicava-se à música,
tocando harmônio ou violino.
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Residência do cientista. Quadro do cientista pintado
pela artista plástica searaense Sra. Eni Zanuzzo
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Com o passar do tempo, entretanto, esse enérgico mestre-escola passou
a ser compreendido e admirado em Seara. Isso impediu que a sua coleção,
considerada a mais importante da América Latina, fosse vendida para a
Universidade Federal do Paraná, num momento de crise financeira.
A prefeitura da cidade comprou a coleção do seu cidadão mais ilustre
para montar o museu que leva seu nome.
Fritz Plaumann enfrentou também dificuldades burocráticas e a
incompreensão das autoridades na sua carreira de entomólogo.
Na década de 70, foi perseguido pelo extinto IBDF -Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento Florestal, acusado de "dizimar a fauna" porque
enviava espécimes de insetos para o exterior. E só pôde continuar
o seu trabalho depois de obter licença daquele órgão e da Universidade
Federal de Santa Catarina. Um episódio carregado de amarga ironia
para quem resgatou, para os acervos de museus de todo o mundo,
espécies de insetos que se extinguiram ou que estão ameaçados de
extinção, dizimados por desmatamentos, agrotóxicos e queimadas.
Falando num português com forte sotaque alemão, Plaumann diz que não
entende por que só agora há esse interesse por métodos de controle
biológico de pragas na lavoura. "Primeiro destroem tudo, depois
querem imitar a natureza", afirma o cientista, que há 40 anos já
defendia essa prática preservacionista. Inconformado, ele se
lamenta: "Já perderam muito tempo. Talvez a atual conscientização
ecológica tenha despertado muito tarde".
No dia 22 de setembro de 1994, às 9h45min, Fritz faleceu.
Plaumann foi considerado pela Californian Academy Of Science
como o maior colecionador de insetos da América Latina no século XX.
(O texto acima, foi feito por Carlos Stegmann, foi retirado da
Revista Globo Rural de Junho de 1993 págs. 49, 50 e 51,
foi adaptado e adicionado novas informações. Algumas das fotos
desta página também são desta mesma revista de autoria de
Olívio Lamas, e as outras foram retiradas de folhetos sobre o museu.)
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